Tentando Respirar
Se me perguntassem "quem és, afinal?", diria, de sobressalto, "sou outrem, no sentido especular, certamente". Sou aquela centelha que lateja indicando traços do que silencio, entre falácias interditas, simplesmente, ousando desconstruir os verbos que me definiram, outrora, absurdamente reclusos, agora. Levanto os lençóis que cobrem os caminhos que me guiam, ainda, a lugar nenhum, tramando alcançar-me, secretamente, enquanto durmo acordada.
Já cansada, lamento conhecer meus abismos de perto, e preparo o corpo para o impulso rumo ao nada. Senti um sopro denso atravessar aquela olhadela tola que lancei para alcançar o porvir, desta vez. Vislumbrei, apenas, o cisco que indicava o pensamento turvo, na verdade. Me apeguei à ordem dos fatos vãos, e consumi certezas vazias com voracidade. Plantei raízes profundas, abrindo mão das passadas largas. Minha alma, rente ao chão, consumia-se em protesto. Tampei meus ouvidos, de súbito, para abafar quaisquer ruídos internos.
O som que ecoava, secretamente, dizia muito sobre mim. Acreditei ter escutado meu nome entre gritos mudos. Olhei para frente e avistei meu próprio umbigo, somente. Achei que aquilo era grandioso. Conformada, debrucei-me sobre o mapa que expunha minhas entranhas. Não pensei muito sobre essas buscas infundadas. E parti, mais uma vez, tentando me ter.

“Desespero”
Ana Cândida
Fotografia
Teresina - PI
2021
A série fotográfica "Tentando Respirar" traz as fases da procura simbólica por "ar", numa alegoria à trajetória pelo alcance do domínio do "si mesmo": alienação, raiva, desespero e parcimônia. O ar é representado por um bebê recém nascido, que aponta tanto para o id, instância psíquica das paixões desenfreadas, quanto a primeira captura do ar, ao nascer, como se apreendesse o sopro de vida, tão valioso e essencial à existência humana.
O ensaio e release sobre esta série fotográfica foi escrito pela própria Ana Cãndida. "Tentando Respirar", faz parte da exposição virtual Entre Partos de Junho de 2021.